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Anemia (definição OMS):
- Homem: Hb < 13 g/dL ou hematócrito < 40%
- Mulher: Hb < 12 g/dL ou hematócrito < 35%
História clínica
- Avaliar hábitos alimentares (ex: vegetarianos, diminuição vitamina B12 e folatos, baixa ingestão de ferro);
- História familiar - síndrome de má absorção (doença celíaca) e doenças inflamatórias do intestino (doença de Crohn, colite ulcerosa);
- Causas que justifiquem perdas hemorrágicas, como toma de anti-agregantes, anticoagulantes e/ou anti-inflamatórios não esteroides, angiodisplasia, doenças da coagulação (ex: doença de Von Willebrand);
- História ginecológica: avaliação de perdas menstruais abundantes;
- Dádiva regular de sangue;
- Excluir, se possível, talassémias.
Exame físico
Sintomas de anemia:
- Assintomático;
- Fadiga, dispneia de esforço;
- Angina pectoris.
Sinais de má perfusão:
- Alteração do estado de consciência (agitação, confusão, desorientação, letargia e coma);
- Tempo de reperfusão capilar > 3 seg;
- Oligúria (DU < 0,5 ml/kg/h);
- Extremidades frias;
- Palidez;
- Livedo reticularis;
- Diaforese.
Sinais de instabilidade hemodinâmica (os doentes devem ser encaminhados a SU):
- Taquicardia;
- Hipotensão (MAP < 65 mmHg ou queda > 40 mmHg face ao basal do doente);
- Taquipenia;
- Diminuição da pressão de pulso;
- Diminuição da SpO2 (nota: um valor normal não exclui a existência de instabilidade HD).
Análises clínicas
A investigação base deve incluir:
- Hemograma completo (Htc, Hb, VGM, HGM, CHGM, RDW);
- Reticulócitos;
- Parâmetros do metabolismo e cinética do ferro (ferritina, transferrina, capacidade total de fixação do ferro e saturação da transferrina), perante suspeita de deficiência de ferro;
- Investigação de défices de Vitamina B12 e ácido fólico se suspeita de défice.
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Anemia microcítica é o tipo mais comum de anemia.
As causas a ela associada podem ser:
- Ferropénia
- Incremento das necessidades de ferro: em fases de crescimento rápido (puberdade), gravidez, ou tratamento com EPO na DRC (ver mais aqui);
- Perdas sanguíneas crónicas: menstruação, hemorragia crónica (gastrointestinal! Considerar sempre o cancro colorretal em homens > 50 anos e mulheres pós-menopáusicas) (ver mais aqui);
- Malabsorção: dieta inadequada, doença celíaca, doenças inflamatórias intestinais e outras doenças da mucosa intestinal que afetem o duodeno, ou pós-resseção gástrica/delgado (ver mais aqui);
- Doença crónica: por inflamação (doenças sistémicas como artrite reumatóide, LES, etc.), malignidade (neoplasias sólidas ou hematológicas), infeção (tuberculose), ou outras condições crónicas como a DRC;
- Defeitos na cadeia da globina - talassemias.
Anemia ferropénica
Devemos considerar que o doente pode apresentar défice de absorção ou perdas hemáticas ocultas. Sob suspeita, poderá ser necessário investigação do trato gastrointestinal (estudo endoscópico completo, exclusão de doença celíaca através IgA total e IgA anti-transglutaminase). Avaliar reservas de ferro através do estudo da cinética do ferro e, se défice, iniciar reposição tal como se menciona abaixo.
A opção entre ferro oral ou endovenoso depende da gravidade da ferropénia, da necessidade de recuperação rápida, intolerabilidade ou ineficácia do ferro oral ou em caso de absorção comprometida.
- Ferro oral: deve ser a opção de primeira linha, por ser o mais simples, fisiológico, económico e seguro. É uma terapêutica lenta com grande percentagem de intolerância (nestes casos tomar ao deitar ou diminuir a dose). Devemos considerar que a grávida tem mais necessidades de ferro.
- Dose: 100-200 mg de ferro elementar / dia, consoante a gravidade. A prova terapêutica marca-se pelo incremento da Hb 1-2g/dl após 2-4 semanas; ou incremento de reticulócitos em 3-5 dias e até 8-10 dias de terapêutica. Após normalização da Hb, continuar terapêutica mais 4-6 meses até reposição das reservas (Ferritina > 50ng/ml, ST ≥ 30%).;
Quando o ferro oral não é adequado, é necessário encaminhar o doente para o SU ou para consulta hospitalar de imunohemoterapia ou hematologia, conforme planos locais de articulação, para realização de:
- Ferro endovenoso se intolerabilidade importante ao ferro oral (náuseas, vómitos, diarreia, obstipação, mal estar); má absorção; necessidade de reposição rápida; perdas crónicas em que a reposição é inferior às perdas; fraca adesão ao ferro oral, deficiência funcional de ferro em utentes sob terapêutica com eritropoietina (IRC, anemia secundária a quimioterapia); nas colheitas de transfusão autóloga; na doença inflamatória do intestino;
- Transfusão se: anemia sintomática, instabilidade hemodinâmica, necessidade de aumento rápido da hemoglobina, sem necessariamente atingir valores normais de Hb. A terapêutica marcial após a transfusão repõe as reservas.
As principais estratégias para reposição de ferro podem ver-se no seguinte resumo clínico.
Esfregaço de sangue periférico
- RDW BAIXO e siderócitos: provável anemia sideroblástica (ver definição e abordagem aqui) e intoxicação por chumbo. Considerar referenciação a Hematologia.
- Dacriócitos ou células em alvo: provável talassémia. Solicitar eletroforose de Hb e referenciar a Medicina Interna/Hematologia
Anemia de doença crónica
- Devemos tratar as causas, acima mencionadas, Se causa indeterminada, ponderar referenciação a Medicina Interna/Hematologia (conforme planos locais de articulação), para estudo complementar.
- Excluir necessidade de correção de ferropénia funcional (saturação de transferrina < 20%) em doentes com doença renal crónica e insuficiência cardíaca. Se tiverem necessidade, iniciar reposição oral com Hidróxido Férrico-polimaltose (1 âmpola/dia). Em doentes com probabilidade de baixa absorção intestinal ou sem resposta ao tratamento oral, ponderar tratamento endovenoso com Carboximaltose Férrica (de acordo com peso e Hb do doente).
As principais estratégias para reposição de ferro podem ver-se no seguinte resumo clínico.
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Anemia ferropénica
- Se o doente apresentar aporte insuficiente (p.e. dieta vegetariana) ou aumento das necessidades (p.e. gravidez, crianças), iniciar reposição oral com Hidróxido Férrico-polimaltose (1 âmpola/dia). Em doentes com probabilidade de baixa absorção intestinal ou sem resposta ao tratamento oral, ponderar tratamento endovenoso com Carboximaltose Férrica (de acordo com peso e Hb do doente). Referenciar para consulta de Nutrição.
- Se a condição suprajacente não se verificar, o doente pode apresentar défice de absorção ou perdas hemáticas ocultas. Necessário investigação do trato gastrointestinal em ambiente de consulta (estudo endoscópico completo, excluir doença celíaca através IgA total + IgA anti--transglutaminase). Avaliar reservas de ferro através do estudo da cinética do ferro e, se défice, iniciar reposição tal como supramencionado.
Anemia de doença crónica
- Ver possíveis causas aqui. Se causa indeterminada, ponderar referenciação a Medicina Interna para estudo complementar.
- Excluir necessidade de correção de ferropénia funcional (saturação de transferrina < 20%) em doentes com doença renal crónica e insuficiência cardíaca. Se sim, iniciar reposição oral com Hidróxido Férrico-polimaltose (1 âmpola/dia). Em doentes com probabilidade de baixa absorção intestinal ou sem resposta ao tratamento oral, ponderar tratamento endovenoso com Carboximaltose Férrica (de acordo com peso e Hb do doente).
As principais estratégias para reposição de ferro podem ver-se no seguinte resumo clínico.
Anemia hemolítica
Ver algoritmo de abordagem de anemia hemolítica aqui
- Por inflamação (doenças sistémicas como artrite reumatóide, LES, etc.), malignidade (neoplasias sólidas ou hematológicas), infeção (tuberculose), ou outras condições crónicas como a DRC ou DHC;
- Averiguar existência de história familiar de anemia ou hemólise
- História familiar positiva
- Infeção viral recente (+ comum), exposição a fármacos recentes (anti-maláricos, trimetoprim-sulfametoxazol, fluoroquinolonas, dapsona, isoniazida, AINEs, cloranfenicol) ou consumo de determinados alimentos (favas) pode sugerir défice de glucose-6-fosfato. Advertir o doente para a evicção destes triggers e providenciar educação para a saúde. Pode ponderar-se referenciação hospitalar, se necessária.
- Esfregaço (ESP) com esferócitos ou eliptócitos, antecedentes de colecistectomia e/ou esplenectomia e elevação da CHGM pode apontar para esferocitose ou eliptocitose hereditária. Referenciar a consulta de Hematologia, para estudo genético e seguimento.
- ESP com células em alvo ou em foice, artralgias, hepatoesplenenomegália, crises vaso-oclusivas é sugestivo de hemoglobinopatias, p.e. talassémia. Solicitar eletroforese de hemoglobina e referenciar a consulta de Medicina Interna ou Hematologia.
- História familiar negativa
- ESP com esquizócitos, trombocitopénia, prolongamento dos tempos de coagulação, consumo de fibrinogénio e D-dímeros elevados: considerar coagulação intravascular disseminada (nota: a CID pode apresentar-se como crónica e a única alteração ser a elevação de D-dímeros). Considerar púrpura trombocitopénica trombótica se tempos de coagulação e D-dímeros normais ou ligeiramente aumentados. Investigar etiologia subjacente, nomeadamente infecciosa (VIH, sépsis), autoimune (LES), trauma, complicações obstétricas, falências orgânicas, neoplasias.
- Exposição recente a fármacos: considerar iatrogenia, suspender potencial fármaco causador e manter vigilância.
- Existência de dor abdominal, fadiga exuberante, trombocitopénia ou pancitopénia, urina rosada/vermelha/escura (sobretudo matinal) e antecedentes de tromboses venosas em locais invulgares (p.e. cerebral, hepática ou abdominal): considerar hemoglobinúria paroxística noturna e referenciar a consulta de Hematologia, para avaliar necessidade de tratamento dirigido.
- Teste de Coombs (direto ou indireto) positivo: considerar anemia hemolítica autoimune e referenciar a consulta de Medicina Interna para estudo subsequente. Considerar necessidade de internamento.
Perante a presença de história ou estigmas de abuso de álcool e/ou doença hepática crónica, considerar estas etiologias como responsáveis pela anemia. Realizar estabilização do doente, advertir para a cessação de consumos e referencia a consulta de Gastrenterologia e/ou de Medicina Interna. Caso isto não se verifique, avaliar função tiroideia:
- Hipotiroidismo (TSH alterada e T4L baixa): iniciar terapêutica com levotiroxina 1,6 a 1,8 ug/kg/dia, reavaliando função tiroideia em 4 a 8 semanas. Ponderar referenciação a consulta de Endocrinologia, se ausência de resposta ou dificuldade de gestão.
- Função tiroideia normal: excluir anemia aplásica ou mielodisplasia. Referenciar a consulta de Hematologia para eventual necessidade de realizar biópsia de medula óssea e mielograma.
Mais informações
A anemia megaloblástica pode dever-se ao défice de:
- Ácido fólico: folato < 2 ng/ml, (se disponível, avaliar: homocisteína alta mas ácido metilmalónico normal). Etiologia por abuso alcoólico, síndromes de má-absorção (doença de Crohn, doença celíaca), ou fármacos como metotrexato e sulfassalazina. Não cursa com neuropatia. Iniciar reposição com folato 1-5 mg po 1id;
- Vitamina B12 < 300 pg/mL, (com homocisteína e ácido metilmalónico altos). Etiologia por aporte dietético insuficiente (carnes) ou má-absorção (anemia perniciosa, doença de Crohn, possuidores de bypass gástrico). Pode verificar-se neuropatia (perda de sensibilidade vibratória e propriocetiva) e é causa de demência reversível. Iniciar reposição com folato 1-5mg po 1id e vitamina B12 1000-2000 mcg 1id, ou im (1000 mcg uma vez por semana durante quatro semanas, seguida de uma dose por mês) se alterações neurológicas ou má resposta ao tratamento oral (má-absorção).
Devemos monitorizar o hemograma e os níveis de vitamina B12 em 4-8 semanas. Depois, após 6 meses e, a partir daí, anualmente.
No caso de não haver défice de B12 / folato, devemos considerar outras hipóteses de diagnóstico não-megaloblástico (e posteriormente tratar a sua causa):
- Hipotiroidismo: TSH elevado;
- Doença hepática: painel hepático alterado;
- Síndrome mielodisplásico: presença leucopénia e/ou trombocitopénia; neutrófilos hipossegmentados em esfregaço de sangue periférico; sob suspeita, referencia a Hematologia para biópsia medular - medula hipercelular;
- Aplasia medular : anemia isolada (pura) ou pancitopenia; sob suspeita, referencia a Hematologia para biópsia medular - medula hipocelular;
- Alcoolismo: averiguar história de abuso de álcool;
- Fármacos: quimioterápicos com 5-fluorouracilo, ou metotrexato, ou trimetoprim;
- Anemia de Blackfan-Diamond: defeito intrínseco dos progenitores eritróides com anemia macrocítica rápida em crianças <1 ano; plaquetas e leucócitos normais; doente com um típico polegar com 3 falanges.