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Evidência de hemólise:
- Reticulocitose que não é explicada por hemorragia ativa ou recente, correção recente de anemia ferropénica ou por défice de vitamínico (B12 e B9), suplementação com cobre ou administração recente de eritropoeitina.
Este achado pode estar ausente ou díspar, na presença de uma medula óssea incapaz de produzir novos eritrócitos (como no caso de défice de ferro, vitamina B12, folato ou cobre, anemia da doença crónica, abuso de álcool, infiltração medular neoplásica, aplasia medular transitória ou supressão da medula óssea induzida por fármacos), pelo que a sua ausência não elimina a possibilidade de hemólise.
- Esferocitose
- Diminuição de haptoglobina - um valor normal ou alto não exclui a possibilidade de hemólise, uma vez que se trata de uma proteína de fase aguda. Por outro lado, pode estar diminuída em situações como insuficiência hepática, trauma abdominal ou défice congénito.
- Elevação de LDH
- Hiperbilirrubinémia não conjungada/indireta
- Hemoglobinúria
Sinais / sintomas clínicos de hemólise incluem:
- Icterícia;
- Hepato / esplenomegalia;
- Alterações esqueléticas, por sobrecarga medular.
Perante um esfregaço de sangue periférico, poderemos orientar a etiologia do quadro:
- Esquizócitos: púrpura trombocitopénica trombótica ou coagulação intravascular disseminada
- Eritrócitos em gota: envolvimento da medula óssea
- Esferocitose: esferocitose hereditária ou anemia hemolítica autoimune
- Corpos de Heinz e Bite cells: défice G6PD
- Eliptócitos: eliptocitose ou mielodisplasia
- Microrganismos intracelulares visíveis no esfregaço com gota espessa: malária ou babesiose
- Eritrócitos "fantasma" (aspeto transparente/tom mais claro): sépsis por Clostridium
- Acantócitos e células em alvo: doença hepática crónica
- Células em alvo: talassémia
- Células em foice: anemia falciforme
- Equinóticos: défice piruvato-cinase
Nota: considerar hemólise em doentes com anemia aguda ou crónica cuja causa (p.e. hemorragia) não seja evidente.
Em todos os casos de anemia hemolítica de novo, estes doentes deverão ser referenciados ou sinalizados à especialidade de Hematologia, uma vez que a qualquer momento poderá surgir um agravamento súbito da anemia capaz de colocar a vida em risco.
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Aspetos relevantes a ter em conta na história clínica e exame objetivo
- Início de fármacos recentes
- Transfusões recentes ou nas 4 semanas prévias
- História de anemia hemolítica ou anemia inexplicada em familiares
- Presença de cálculos biliares (pigmentados ou não)
- Esplenomegália: sugere patologia infecciosa, neoplásica ou congénita
- Urina escura/acastanhada
- Icterícia
- Infeção recente, febre: sugere hemólise direta do GV por parte do agente envolvido
- Válvula cardíaca prostética, sinais de estenose aórtica
Situações em que o teste de Coombs pode ser falsamente positivo:
- Imunoglobulina ev.
- Imunoglobulina anti-Rh
- Globulina anti-timócito
- Daratumumab
- Elevação de imunoglobulinas séricas ou paraproteínas
- Transfusões recentes
Nota: doentes com evidência de anemia hemolítica devem ser vigiados para a possibilidade de desenvolverem complicações trombóticas, sobretudo nas seguintes entidades:
- Hemoglobinúria paroxística noturna
- Anemia falciforme
- Anemia hemolítica autoimune
- Esferocitose hereditária
Anemia hemolítica:
- Por inflamação (doenças sistémicas como artrite reumatóide, LES, etc.), malignidade (neoplasias sólidas ou hematológicas), infeção (tuberculose), ou outras condições crónicas como a DRC ou DHC;
Averiguar existência de história familiar de anemia ou hemólise:
- História familiar positiva
- Infeção viral recente (+ comum), exposição a fármacos recentes (anti-maláricos, trimetoprim-sulfametoxazol, fluoroquinolonas, dapsona, isoniazida, AINEs, cloranfenicol) ou consumo de determinados alimentos (favas) pode sugerir défice de glucose-6-fosfato. Advertir o doente para a evicção destes triggers e providenciar educação para a saúde. Pode ponderar-se referenciação hospitalar, se necessária.
- Esfregaço (ESP) com esferócitos ou eliptócitos, antecedentes de colecistectomia e/ou esplenectomia e elevação da CHGM pode apontar para esferocitose ou eliptocitose hereditária. Referenciar a consulta de Hematologia, para estudo genético e seguimento.
- ESP com células em alvo ou em foice, artralgias, hepatoesplenenomegália, crises vaso-oclusivas é sugestivo de hemoglobinopatias, p.e. talassémia. Solicitar eletroforese de hemoglobina e referenciar a consulta de Medicina Interna ou Hematologia.
- História familiar negativa
- ESP com esquizócitos, trombocitopénia, prolongamento dos tempos de coagulação, consumo de fibrinogénio e D-dímeros elevados: considerar coagulação intravascular disseminada (nota: a CID pode apresentar-se como crónica e a única alteração ser a elevação de D-dímeros). Considerar púrpura trombocitopénica trombótica se tempos de coagulação e D-dímeros normais ou ligeiramente aumentados. Investigar etiologia subjacente, nomeadamente infecciosa (VIH, sépsis), autoimune (LES), trauma, complicações obstétricas, falências orgânicas, neoplasias.
- Exposição recente a fármacos: considerar iatrogenia, suspender potencial fármaco causador e manter vigilância.
- Existência de dor abdominal, fadiga exuberante, trombocitopénia ou pancitopénia, urina rosada/vermelha/escura (sobretudo matinal) e antecedentes de tromboses venosas em locais invulgares (p.e. cerebral, hepática ou abdominal): considerar hemoglobinúria paroxística noturna e referenciar a consulta de Hematologia, para avaliar necessidade de tratamento dirigido.
- Teste de Coombs (direto ou indireto) positivo: considerar anemia hemolítica autoimune e referenciar a consulta de Medicina Interna para estudo subsequente. Considerar necessidade de internamento.
Perante a presença de história ou estigmas de abuso de álcool e/ou doença hepática crónica, considerar estas etiologias como responsáveis pela anemia. Realizar estabilização do doente, advertir para a cessação de consumos e referencia a consulta de Gastrenterologia e/ou de Medicina Interna. Caso isto não se verifique, avaliar função tiroideia:
- Hipotiroidismo (TSH alterada e T4L baixa): iniciar terapêutica com levotiroxina 1,6 a 1,8 ug/kg/dia, reavaliando função tiroideia em 4 a 8 semanas. Ponderar referenciação a consulta de Endocrinologia, se ausência de resposta ou dificuldade de gestão.
- Função tiroideia normal: excluir anemia aplásica ou mielodisplasia. Referenciar a consulta de Hematologia para eventual necessidade de realizar biópsia de medula óssea e mielograma.
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Um resultado positivo no teste de Coombs indica que os eritrócitos se encontram revestidos por autoanticorpos e/ou proteínas do complementos, responsáveis pela hemólise.
O 1º passo consiste na estabilização do doente, excluíndo edema agudo do pulmão e insuficiência cardíaca e, por outro lado, realizando a sua hidratação. As transfusões devem ser evitadas e pode necessária a suplementação de folatos e vitamina B12.
Anemia hemolítica autoimune
- Anemia hemolítica autoimune de anticorpos quentes: devem ser tidos em conta os seguintes diagnósticos
- Idiopática
- Distúrbios linfoproliferativos (p.e. leucemia linfocítica crónica, linfoma de Hodgkin)
- Doenças autoimunes (p.e. lúpus eritematoso sistémico)
- Infeções víricas (p.e. VIH)
- Anemia hemolítica autoimune induzida por fármacos (p.e. penicilina, tuberculostáticos, quinina, metildopa)
- Anemia hemolítica autoimune de anticorpos frios: devem ser tidos em conta os seguintes diagnósticos
- Idiopática
- Distúrbios linfoproliferativos (p.e. leucemia linfocítica crónica, macroglobulinémia de Waldenström)
- Infeções (p.e. Mycoplasma pneumoniae, EBV, doença mãos-pés-boca)
Anemia hemolítica aloimune - história de transfusão recente?
- Reação transfusional hemolítica aguda (dentro de 1h após início da transfusão) - febre, dor no flanco, hemoglobinúria, lesão renal aguda, coagulação intravascular disseminada
- Reação transfusional hemolítica tardia (2-10 dias após a transfusão) - febre ligeira, icterícia, anemia hemolítica
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Macroangiopática: hemólise valvular (p.e. estenose aórtica, válvulas mecânicas), hemoglobinúria associada a marcha
Microangiopática, sugerida por anemia hemolítica e trombocitopénia e por alterações neurológicas inexplicadas (semelhantes a AIT ou AVC) - pode dividir-se em:
- Primária
- Púrpura trombocitopénica trombótica (PTT): calcular PLASMIC score e dosear ADAMTS13 (não esperar pelo resultado para iniciar tratamento em doentes com elevada probabilidade de PTT - PLASMIC score 6-7 em centros com acesso atempado ao resultado da ADAMTS13 (<1 semana)). Iniciar tratamento triplo com plasmaferese, imunosupressão e caplacizumab (consultar aqui)
- Síndrome hemolítico urémico (SHU): realizar coprocultura para E. coli Enterohemorrágica e Shigella. Podem distinguir-se dois tipos de SHU - o SHU típico, resultante de infeção por bactérias produtoras de toxina Shiga; e SHU atípico, mediado pelo complemento, menos frequente. O tratamento no caso do SHU típico é de suporte, estando a antibioterapia contraindicada. Já no SHU atípico, o tratamento é dirigido - terapia anticomplemento por meio de anticorpos monoclonais
- Microangiopatia trombótica induzida por fármacos
- Microangiopatia trombótica mediada pelo complemento
- Secundária
- Pré-eclâmpsia com critérios de gravidade ou síndrome HELLP
- Hipertensão maligna: o controlo da hipertensão é o passo mais importante na abordagem inicial
- Infeções sistémicas (p.e. endocardite infecciosa, VIH, CMC, malária, babesia, aspergilose sistémica)
- Malignidade
- Doenças autoimunes (p.e. LES, esclerose sistémica, SAAF)
- Complicações de transplante de órgão sólido ou células hematopoiéticas (risco advém tanto dos regimes instituídos para ablação medular como pelos fármacos imunossupressores, p.e. inibidores da calcineurina)
- Défice grave de vitamina B12 (pode ser pertinente o doseamento de homocisteína e ácido metilmalónico)
- Trombocitopenia induzida pela heparina autoimune
Doentes com anemia de longa data (com ou sem história familiar) ou com ESP com achados clássicos podem ser a favor de anemia hemolíticas hereditárias devido a hemoglobinopatias, defeitos metabólicos ou membranares.
Padrões clássicos de ESP e o que sugerem:
- Esquizócitos: púrpura trombocitopenica trombótica ou coagulação intravascular disseminada
- Eritrócitos em gota: envolvimento da medula óssea
- Esferocitose: esferocitose hereditária ou anemia hemolítica autoimune
- Corpos de Heinz e Bite cells: défice G6PD
- Eliptócitos: eliptocitose ou mielodisplasia
- Microrganismos intracelulares visíveis no esfregaço com gota espessa: malária ou babesiose
- Eritrócitos "fantasma" (aspeto transparente/tom mais claro): sépsis por Clostridium
- Acantócitos e células em alvo: doença hepática crónica
- Células em alvo: talassemia
- Células em foice: anemia falciforme
- Equinóticos: défice piruvato-cinase
Hemoglobinúria paroxística noturna pode estar associada a pancitopenia e/ou eventos trombóticos em locais pouco vulgares (especialmente em veias abdominais ou seios venosos centrais) com urina escura/acastanhada. O diagnóstico é feito por citometria de fluxo.